Sou viajante assídua de táxis e, como seria de esperar, tenho apanhado com um pouco de tudo atrás do volante nessas minhas viagens. Desde o motorista silencioso (o meu preferido) que me deixa estar mergulhada na leitura, ao taxista chato como a porra que leva a viagem toda a dar-nos uma lição de nutrição; do taxista com hálito a bebedolas, ao taxista que ouve Smooth FM; do taxista que sonha em ser piloto de Fórmula 1 e que me faz estar agarrada ao banco, ao taxista que respeita todos os limites de velocidade, até os mais estúpidos. Apanho de tudo e estou quase doutorada em “Comportamento do Taxista Português”.
Ontem, numa destas viagens, apanhei um senhor muito simpático e calado … Mesmo bom.
Eu calada fiquei e mergulhei os meus olhos nas páginas do livro que me tem acompanhado nos últimos dias (guardarei este assunto para outras núpcias).
O silêncio que se vivia no carro era somente interrompido pela voz metálica do GPS a dar as coordenadas para chegar ao destino que, até certo ponto, esteve correcto, mas depois tive de intervir.
A minha educada intervenção foi o suficiente para o taxista silencioso começasse a falar. Desculpou-se, educamente, a dizer que só estava em Portugal há 3 meses, pelo que tinha que se guiar pelo GPS ou pelas coordenadas do cliente.
Assim foi o nosso diálogo:
- Sabe, sou estou em Portugal há 3 meses. Deixei a minha profissão de uma vida – mecânico de aeronáutica no Brasil – para vir a Portugal ao funeral do meu pai e por cá fiquei.
- Lamento pela morte do seu pai. Mas disse que era mecânico de aeronáutica? O meu marido até é? Então porque não tentou a sua sorte numa companhia aqui em Portugal?
- Estava cansado de ferramentas, menina.
Trabalhei muito. Fazia jornadas de 12 ou mais horas diárias … Era até terminar o trabalho. Nada ficava por fazer e, por isso, fui um pai ausente.
Hoje os meus filhos são homens, mas têm mais confiança com a mãe do que comigo.
(silêncio de compreensão da minha parte … o que dizer nestas alturas?)
- Mas, sabe uma coisa? Eles nasceram no Brasil, mas toda a educação deles foi na Europa. Hoje são adultos, têm bons cursos e são excelentes profissionais, são o nosso orgulho.
Eles dizem a mim … ou melhor, dizem à mãe que Portugal é demasiado pequeno para eles e que, qualquer dia, saem de cá.
O olhar daquele homem a olhar para mim pelo retrovisor machucava a cada palavra que ele pronunciava.
Ele estava atrás daquele volante não por necessidade, mas porque precisava de se sentir útil. Dois dias depois de regressar ao seu país-natal, ele preferiu estar atrás de um volante, em vez que ficar por casa a usufruir dos louros ganhos durante uma árdua vida de trabalho.
- Sabe, menina. O dinheiro não é tudo. A família é que é o mais importante. Aproveite a sua família e faça com que o você e o seu marido não sejam uns escravos do trabalho.
- Sim, é certo. – respondi eu. Mas, não deve esquecer-se que hoje os seus filhos são o que são graças aos seus sacrifícios e é isto que eles devem ter em consideração: que o pai esteve ausente para poder par uma melhor vida aos seus filhos.
A viagem tinha terminado.
Despedi-me, de coração apertado, daquele homem que fez todos os sacrifícios pela família, mas que só queria ser PAI.
Eu queria dizer-lhe que ele tinha sido pai. Mesmo ausente, ele foi um bom pai. Talvez tenha sido mais pai do que muitos pais que por aí andam, pois há uma grande diferença entre ser pai e ser progenitor.
Ele foi pai. Contudo, saiu-lhe na rifa uns filhos que não souberam dar valor aos sacrifícios feitos e que viram tudo ser dado por mão beijada.
Talvez se ele tivesse dito um não em algumas situações, hoje os filhos teriam noção que a vida não é fácil e que é necessário arregaçar as mangas e fazer sacrifícios.