O dia do limbo
Nas primeiras horas da madrugada de 31 de Janeiro de 2015, o meu telemóvel tocava freneticamente. Tinha acabado de chegar de um serão dedicado à Revista e precisava dormir, mas o trim-trim constante teimava em arrancar-me da cama. Quem no seu juízo perfeito ligaria para alguém a estas horas? Só podia ser alguma coisa muito má … Ninguém liga a estas horas para perguntar se está tudo nos conformes. Duas chamadas perdidas depois, rendi-me, saí da cama e fui ver quem me ligava. Era a minha mãe e senti um baque no estômago. Não podia vir nada de bom deste telefonema. Retribui as chamadas e soube qual era a urgência … Era apenas para me avisar para me preparar que, muito provavelmente, ficaria sem avó materna ainda esta noite. O meu mundo começou a desmoronar neste preciso momento. Voltei para a cama e fiquei à espera no derradeiro telefonema. Sobre a manhã, o telefonema chegou. A minha avó materna tinha, de facto, partido. Senti-me órfã, vazia, sozinha. Senti-me criança novamente e chorei. Chorei muito por ter perdido uma mulher que foi tão importante na minha vida e no meu crescimento. Fiquei órfã, sim. Tinha perdido a mulher com quem a minha mãe me deixou em bebé porque tinha de ir trabalhar. Tinha perdido um dos mais fortes pilares da minha vida. Levei o dia em casa à espera do voo que, naquele sábado, só partia à noite. Ainda tinha mais umas horas longe dos meus. Parti e cheguei à terra que me viu nascer. Fui recebida pelo meu pai que, com semblante carregado, perguntou se a viagem tinha corrido bem. Metemo-nos a caminho. Eram mais 13 quilómetros até chegar à casa que vivi os primeiros anos da minha existência. Cheguei e fiquei petrificada. Não tinha coragem de entrar naquela casa e ver a minha avó deitada, como se estivesse a dormir, sabendo que nunca mais iria acordar e olhar para mim. Lembrei-me da última vez que a vi, sorri e entrei. Encontrei toda a família e corri para os braços da minha mãe que tanto precisava de mim naquele dia. Assim passei a noite, num vaivém de recordações constante e assim me despedi da minha avó Maria.
Um ano depois, tentei fazer com que a minha mente tivesse ocupada com outros assuntos. A avó Maria não estava esquecida (nunca estará), mas a tarde de 31 de Janeiro de 2016 era de festa e de união. Eu ia ser testemunha de um amor verdadeiro, sem cor, sem credos e sem sexo. Ia ser, pela primeira vez, madrinha de um casamento – um convite que, até hoje, me surpreende por ter sido a escolhida para este tão importante papel. Eu ia assistir à união de duas pessoas que se amam como ninguém, que se completam de tão diferentes que são e que tinham a possibilidade de legalizarem a sua relação, por terem a sorte de terem nascido num país que vê as pessoas como pessoas e não como homem ou mulher. Na minha barriga vivia um bebé que, naquele dia, ainda não se sabia se iria ser menino ou menina. Fiz o meu papel de madrinha e tentei aguentar-me firme até ao fim. Contudo o fim de uma cara sem lágrimas (desta vez de felicidade) foi quando entraram os dois juntos, com um sorriso na cara e uma felicidade imensa de estarem a viver aquele dia na presença da família que escolherem. O dia passou a correr. A minha avó esteve sempre presente no meu pensamento, mas naquela tarde só eles contavam. Era o dia deles e eu era a madrinha.
A 31 de Janeiro de 2017, sento-me a escrever este post e declaro, oficialmente, o dia 31 de Janeiro como o Dia do Limbo – o dia da dualidade de emoções.