A vida é feita de encontros e desencontros; alegrias e tristezas; de altos e baixos; das decisões que tomamos e das pessoas com quem nos cruzamos. A vida é feita de partilhas, de sorrisos, de choros, de confidências e de olhares que não necessitam de palavras. A vida é feita de amigos, dos verdadeiros, como se um amigo não fosse isso mesmo: alguém com quem podemos contar sempre e que nos levanta quando caímos, que nos limpa as lágrimas quando estamos mais fragilizados, que nos abraça quando nos sentimos vazios e que sorri quando estamos felizes.
Hoje completam-se dez anos que o meu mais verdadeiro amigo desapareceu do mundo terreno. Um rapaz que só andou por esse mundo uns míseros 29 anos e que viveu essas quase três décadas terrenas com um objectivo: ser amigo do seu amigo.
O Jota era isto mesmo: um amigo.
Estava ao nosso lado sempre que necessitávamos e foi-me tão, mas tão especial. Melhor dizendo, ele ainda me é e será sempre tão especial. Falo com ele como se ele estivesse ao meu lado e, passados dez anos dele sair fisicamente da minha vida, ainda penso que é mentira e que o vou encontrar na Ilha.
O ano de 2006 foi um ano de verdadeiras emoções.
Saí da Ilha que foi o meu berço em Setembro. O Jota já estava em Lisboa nessa altura, a preparar-se para os tratamentos agressivos que, supostamente, o iriam curar e foi uma das primeiras pessoas que procurei quando cheguei à capital e, estando eu desempregada na altura e ele com todo o tempo livre do mundo, estivemos juntos até ao dia que ele entrou no hospital, esperançoso que tudo iria correr bem.
A última vez que nos vimos foi à entrada da estação de metro da Alameda. Despedimo-nos com um até já, um beijo, um abraço e um sorriso. Disse-lhe que não o ia ver ao hospital e ele, sabendo que eu sou uma medricas, não levou a mal esta minha decisão.
- Não há problema, coração! A gente vê-se quando tudo isso acabar.
Ele era assim.
O Jota fez o tratamento e eu continuei a minha demanda de encontrar o meu primeiro emprego em Lisboa, o que aconteceu no dia que fez 1 mês que tinha chegado. A vida continuava cá fora, enquanto ele recebia o tratamento que o ia curar.
Um dia recebi um sms do Jota.
- Coração, estou cá fora! Correu tudo bem e estou curado. Vou a Fátima com os meus pais e regresso amanhã à ilha.
- Boa, coração! Fico tão contente por ti. Vais já embora amanhã? Não dá mesmo para nos vermos antes de partires?
- Não, não dá! Mas não faz mal. Eu volto a Lisboa daqui a umas semanas para ver exames de rotina e aí a gente vê-se.
- Ok! Olha, já consegui emprego.
- Cool! Então, quando eu regressar a Lisboa és tu que pagas os copos.
- Na boa, mafriend! Mas estás mesmo bem? Não é perigoso entrares num avião depois do tratamento agressivo que fizeste?
- Nada disso. Estou fino. A gente vê-se daqui a uns dias.
- Beijos, coração. Manda visitas ao pessoal.
Esse foi o nosso diálogo que, infelizmente, desapareceu quando mudei de telemóvel.
Não consegui apagar a última conversa que tive com ele e o número dele ficou no meu cartão de memória na esperança vã de receber mais uma chamada dele.
O Jota entrou naquele avião, acompanhado com os pais, de regresso à terra que ele sempre amou.
No dia que chegou, dirigiu-se ao café de sempre – o local que ele sabia que iria encontrar o pessoal. A noite estava fria, mas mesmo assim, ele saiu de casa para estar com eles.
O Jota teve uma recaída. Entrou no hospital e desapareceu.
Na manhã de 23 de Novembro de 2006, eu ia a caminho do meu mais recente trabalho. Numa estação, que não me lembro qual, o metro parou para a entrada e saída de passageiros e eu levantei os olhos do livro que estava a ler e olhei para a estação. Vi um rapaz e, instantaneamente, olhei para os seus pés. Eram umas All Star pretas, daquelas totalmente pretas e eu pensei no Jota e como tinha saudades dele. Tinha que ligar para ele. A vida é demasiadamente curta e não podemos deixar que a correria do dia-a-dia nos deixe sem tempo de falar com aqueles que são tão importantes para nós.
No final da manhã recebi a notícia e o meu chão desapareceu. Não pensei nas consequências e decidi apanhar o próximo avião e ir ter com ele. Tinha de o ver. Necessitava estar com ele e com o resto do pessoal. Tínhamos de estar todos juntos naquele dia. O Jota tinha desaparecido para sempre e necessitávamos de nos apoiar uns aos outros.
Ainda hoje acredito que o Jota regressou à Ilha sabendo que não se tinha curado e que todo o esforço foi em vão. Acredito que ele sabia que não se ia safar dessa partida sem piada nenhuma. Acredito que ele, sabendo disto tudo, quis morrer no local onde nasceu, rodeado dos seus familiares e depois de se despedir dos amigos. Acredito que ele nos mentiu para nos salvaguardar. Ele era assim: primeiro os outros e depois ele.
Vivi tanto com ele. Tantas aventuras que vivemos juntos. Nós crescemos juntos e pensei que iriamos envelhecer juntos.
Na brincadeira, dizíamos que quando fossemos velhos, ainda íamos estar sentados no adro da igreja, com uma Carlsberg na mão e um Além-Mar na outra. Ríamos como parvos que éramos e acreditávamos que isso ia mesmo acontecer. Mas não. Ele saiu das nossas vidas meses depois de ter completado 29 anos e, passados dez anos do seu desaparecimento, está cada vez mais vivo nos nossos corações.
Acredito na vida após a morte e acredito que, quando chegar a minha hora, ele vai estar lá à minha espera, com aquele sorriso tão característico, com uma Carlsberg e um maço de Além-Mar. Ele irá receber-me com um forte abraço, iremos até à nuvem mais próxima e falaremos do tempo que estivemos juntos, enquanto ouvimos Lep Zeppelin, AC/DC, Guns & Roses e muitas outras bandas que ouvíamos quando eramos putos. O nosso céu será assim: uma eterna felicidade, onde a doença desaparece e as pessoas não envelhecem.
Acredito em anjos e em demónios. Acredito que esses são colocados no mundo terreno e que têm uma missão a cumprir com as pessoas com que se cruzam. Tanto um como o outro têm passagens breves por cá e partem quando sabem que a sua demanda está completa. Acredito que o Jota era um destes anjos. Veio para cá, marcou quem o conheceu e partiu, deixando muitas saudades.
Tenho mesmo saudades tuas, imbecil!
Vais levar dentadas no céu da boca quando te apanhar. Quem te manda desaparecer assim, sem aviso?
Tenho mesmo muitas saudades tuas, coração!
Ainda consigo recordar-me da tua voz e das tuas gargalhadas e farei tudo para que a minha mente nunca apague estes registos. É a forma que arranjei para te mandar presente e imaginar que ainda estás cá.
Meu amigo, adoro-te.
Continua a olhar por nós!