Domingo de festa
As fachadas das casas estão alvas – limpas pela chuva que teimou em cair intensamente nos últimos dias. Lá dentro, todas as divisões cheiram imaculadamente. Da cozinha é possível adivinhar os pratos que irão encher a mesa para o almoço após a missa – polvo guisado, carne assada e um peixinho ou outro. No quintal, as faias desfolhadas aguardam que chegue a sua hora de ornamentarem as ruas negras da pedra basáltica.
É dia de escolher a melhor indumentária, muitas vezes à espera da estreia para o domingo da festa. Embeleza-se o corpo e alimenta-se a alma.
É domingo de festa. Uma das últimas das que acontecem pela ilha ao longo do Verão. É o encerramento de um ciclo e o início de outro. É dia de festa na aldeia. Os sinos, tocados remotamente dispensando a figura carismática do sacristão, avisam o povo que chegou a hora.
Está a chegar o momento mais aguardado do dia: a procissão vai sair. É hora de deixar a mesa farta do almoço tardio, embelezar as ruas com flores, farelo colorido e faias; colocar a melhor colcha nas janelas e varandas das casas e debruçar-se nelas por alguns minutos, à espera que venha a procissão.
Chegou a altura que todos esperam: a padroeira daquele lugar irá sair em ombros de homens que, em momentos de mais aflição, pediram àquela Senhora que os guardassem. Bandas filarmónicas, escuteiros, entidades políticas, todos marcam a sua presença e a sua homenagem à Senhora. Homens de opas vermelhas formam filas ordeiras; as crianças são vestidas de anjos; outros pequeninos saem de branco e orgulhosos na sua Primeira Comunhão; os adolescentes, muitos envergonhados por estarem naquele cortejo, lá se fazem sentir; mulheres vestidas de negro e com semblante carregado pela dor que só elas sabem que sentem, formam uma densa mancha atrás do andor.
O andor. Ornamentado por mãos sábias leva sobre si a imagem idolatrada por locais e visitantes que ainda hoje não deixam de se deslocarem àquele lugar para prestar a sua homenagem à Senhora da Luz.
Quando vires a última banda filarmónica que, segundo a regra, deverá ser a da casa, saberás que a procissão está a terminar. Contudo, que não haja lágrimas, mas sim sorrisos: a festa (mais profana) continua noite dentro e aquela imagem que acabou de passar e que olhaste com tanto fervor estará no seu templo aguardando que lhe façam uma visita, mesmo que seja breve, antes de irem à tasquinha mais próxima.
A última fila da filarmónica acabou de passar à tua janela. Respira fundo e tenta continuar a olhar para a procissão que segue o seu caminho, em direcção a outras ruas da terra. Não caias em tentação de correres à procura da vassoura para poderes tirar as flores pisadas. Essas flores perfumadas e os coloridos farelos são igualmente os cheiros da festa ou já se esqueceram como era bom sair de casa, após o jantar, a caminho do arraial, respirar fundo e dizer: “Hum! Que cheirinho a festa!”