O Estranho Caso de Benjamin Button, F. Scott Fitzgerald
“No longínquo ano de 1860 a maneira correcta de nascer era em casa. Presentemente, segundo me dizem, os sumo-sacerdotes da medicina decretaram que os primeiros vagidos dos recém-nascidos devem ser soltos no ar anestético de um hospital, de preferência de um hospital em voga. Por isso Mr. e Mrs. Roger Button estavam cinquenta anos à frente do estilo da época quando, num dia do Verão de 1860, decidiram que o seu primeiro bebé nasceria num hospital. Jamais se saberá se este anacronismo teve alguma influência na espantosa história que estou prestes a contar.”
Ainda com uma réstia da emoção dos Óscares e com excelentes filmes em cartaz, quero deixar o meu testemunho sobre a minha leitura de O Estranho Caso de Benjamin Button.
Não queria ir ver o filme sem antes me debruçar sobre a leitura da obra de Fitzgerald. O conto, com cerca de 75 páginas, lê-se com grande facilidade não pela sua pequenez mas pelo fantástico.
Obra de um dos maiores escritores norte-americanos do século XX, O Estranho Caso de Benjamin Button foi publicada pela primeira vez na edição de 27 de Maio de 1922 da revista Collier’s Weekly, sendo incluída, posteriormente, num pequeno livro de contos Tales of the Jazz Time.
Com uma narrativa em parte cómica e em parte melancólica, o conto narra a bizarra história de Benjamin Button que nasce velho, começando a rejuvenescer ao longo dos anos, até deixar de existir. Na criação deste conto terá estado uma observação de outro grande escritor norte-americano Mark Twain, o qual lamentava o facto de que a melhor parte da nossa vida fosse o início e a pior o fim.
“Não havia recordações penosas no seu sonho infantil; não lhe acudiam lembranças dos seus arrojados anos na faculdade, dos anos esplendorosos em que fizera palpitar o coração de muitas raparigas. Havia apenas os lados brancos e seguros do seu berço, Nana e um homem que o visitara de vez em quando e uma grande bola cor de laranja para a qual Nana apontava pouco antes da crepuscular hora de dormir e a que chamava ‘Sol’. Quando o Sol se punha os olhos dele ficavam ensonados: não havia sonhos, não havia sonhos que o assombrassem.
O passado – a carga violenta à frente dos seus homens pela San Juan Hill acima; nos primeiros anos do seu casamento trabalhava até tarde, pela penumbra estival, na movimentada cidade para a jovem Hildegarde a quem amava; os dias anteriores a isso em que se sentava a fumar com o avô, pela noite dentro, na velha casa sombria dos Button na Monroe Street –, tudo isso se desvanecera como sonhos irreais, como se nunca tivesse existido.
Não se lembrava. Não se lembrava com clareza se o leite estava morno ou frio da última vez que comera nem de como os dias passavam – havia apenas o seu berço e a presença familiar de Nana. E depois esqueceu-se de tudo. Quando tinha fome gritava – mais nada. Durante as tardes e as noites respirava e havia sobre ele suaves resmungos e murmúrios que mal ouvia, odores levemente diferenciados, luz e escuridão.
Depois escureceu tudo e o seu berço branco, e os rostos obscuros que pairavam sobre ele, e o aroma morno e doce do leite desvaneceram-se por completo da sua mente.”