"Cenários Conjugais"
Já comecei a leitura da minha última oferta - A Noite dos Prodígios e outras histórias - e estou a adorar.
O livro é composto por uma compilação de contos que o jornalista/escritor Carlos Tomé publicou na revista "Açores" e que tratam dos mais variados assuntos .. todos com um toque de ironia e com uma leveza magnífica.
De todos os que li até ao momento, houve um que me despertou à atenção e que achei que seria giro partilhar com os meus leitores (se eles existirem).
O conto chama-se Cenários Conjugais e passo a citar:
"- Meu amor, e se nos casássemos?
- É primeira vez que falas em casamento, querido!
- Pois é. Mas vivemos juntos há já cinco anos. Talvez esteja na hora de oficializarmos a nossa relação.
- Que romantismo aé vai...
- Desculpa, querida. Estou a tentar ser prático.
- Bem me parecia...
- É que, bem vistas as coisas, temos estado a perder muito dinheiro. Casados, beneficiaremos de um regime de impostos mais favorável, obteremos uma taxa de juro mais baixa no empréstimo para a compra do apartamento e teremos uma série de outras vantagens.
- Uma delas é a de voltarmos a ser convidados para as festas da minha madrinha...
- A velha ficou brava quando descobriu que já não eramos apenas namorados.
- Acho que ficou escandalizada por lhe teres aparecido nú...
- E quem a mandou bater à tua porta às dez da madrugada?!
- Chamou-nos pecadores, libidinosos, escravos da luxúria...
- Depois de casados, volta a aceitar-nos. Ela gosta de nós, acha piada ao modo como lidamos com as intrigas da família. Esquece isso, querida. O problema vai ser o eclodir cíclico das crises...
- Que crises?
- Ora, as crises que todos os casais atravessam. Primeiro, a perda da privacidade de cada um: já não estamos sós em casa, já não podemos estar à vontade na casa de banho, de porta aberta, e já não é admissível dar um fofó, chupar os dentes ou tirar macacos do nariz na frente do outro.
- Mas, querido, isso já nós ultrapassamos!
- Não sei, não sei. Casados, é diferente. E, depois, vem a crise da conquista de espaço...
- Isso é com os americanos, não?
- Conquista de espaço, amorzinho. Cada um vai lutar pelo seu cantinho, pela sia zona exclusiva. À mesa, no sofá da sala e, até, na cama, cada um de nós vai procurar uma espécie de reserva, de zona protegida, onde possa estar em paz, comendo, lendo, vendo televisão ou, simplesmente, pensando. Tudo num abençoado silêncio.
- Acho que exageras. Sempre respeitei os teus espaços. Físicos e espirituais...
- Quero ver, depois de casarmos. E que me dizes aos filhos, querida?
- Não temos nenhum!
- Mas vamos ter, não vamos? Aí, vão surgir as discussões sobre a quem compete ir, em determinada noite, pôr a chucha na boca do bebé, mudar fraldas malcheirosas, dar-lhe o leitinho...
- Isso de mamada não é contigo!
- E o biverão, quando for mais crescidinho? E a educação a dar-lhe? E as nossas divergências sobre recompensas e castgos? E o que dizer-lhe acerca do sexo?
- Onde já vais, querido!
- E haverá o "stress" laboral, a juntar a esses problemas familiares. Tudo junto, vai provocar mossa no nosso relacionamento, afectar a nossa vida sexual.
- Achas, querido?
- Tenho a certeza! Iremos ficar reduzidos a uma vez por semana, talvez aos sábados...
- E os feriados? Nem nos feriados?!
- Só aos sábados, meu amor. E, ainda assim, quandonão te doer a cabeça ou eu não adormecer nos preliminares...
- Estás a meter-me medo, querido.
- E ainda não te falei da pior crise, o verdadeiro terror: a crise dos sete anos!
- Como assim?
- Dizem os especialistas que, por volta do sétimo ano de casamento, os casais enfretam a sua pior crise. O amor estáe, estilhaços e a fogueira da paixão reduzida a cinzas. Só o sexo continua aos sábados. De três em três meses...
- Que horror!
- Pois é. Tudo praticamente destruído. E vem o divórcio.
- Litigioso?
- Claro! Mais até do que o litigioso. Sangrento! Depois de sete anos de vida em comum, sabes lá quantos segredos, quantos pormenores escabrosos, quantos pequenos podres há para serem revelados na praça pública. Tarado, chulezeiro, maricão, frígida, burra, lésbica, vale tudo!
- Não digas mais, querido. Assustas-me.
- Então não falo da guerra das partilhas. Terrorismo puro, podes crer! cada "bibelot", cada botãozinho, cada insignificância é disputada ferozmente, quase à chapada. Até restos de sabonete, na casa de banho!
- O nosso divórcio ... quer dizer, se tivermos essa crise dos sete anos, não vai ser litigioso, pois não?
- Que ideia, lindinha! Separar-nos-emos como dois grandes amigos!
- Só insistirei em levar a colecção de CD's do Dizzie Gillespie. Tu nem gostas muito dele...
- De acordo, desde que fique com os livros do Astérix.
- Combinado, querido.
- Casamo-nos quando, meu amor?"
Se leram até ao final, o que acharam?
Eu achei hilariante!!!!
O que um possível pedido de casamento deu para falar !